O ano começa bem, em dose dupla, com as muitas personas dançantes da coreógrafa Eva Schul. No sábado dia 15 tivemos a esteia de Persona – Estudos de criação em obras coreográficas, composta por duas performances: AUTOIMAGEM, com Geórgia Macedo e Viviane Lencina e MACHO HOMEM FRÁGIL, com Eduardo Severino. O projeto teve o financiamento do Pró-cultura RS – Lei de Incentivo e Fundo, Secretária da Cultura – RS. Realização com recursos do Governo do Estado por meio do Pró-cultura RS FAC – Fundo de Apoio à Cultura.
Eva Schul, educadora e artista hábil em formar há décadas corpos que podem se abrir à sua perspectiva criadora nos presenteia com duas maduras e singulares obras. Em Autoimagem temos corpos que não apenas estão no espaço, mas fazem o espaço emergir na dança que vai sendo construída sem pressa e com uma invejável apropriação das intérpretes na organicidade exigida e que vai se desenhando. São imagens que fazem do espelhamento, não um reflexo apenas, mas um outro plano imagético que ressignifica seu referencial. E as duas intérpretes promovem um envolvente e saboroso jogo de imagens fugidias e que parecem promover sua autonomia do mover-se e do se tornar visível.
Outro acerto é o minimalismo cênico que permite uma dramaturgia de corpos que fluem em complexas conexões. Cada gesto acelera, é suspenso, entra em consonância com um outro corpo, faz reviravoltas, pausa. Tudo com uma inteligência de movimento que só a maturidade permite preparar e fazer se expressar. Geórgia e Viviane vivenciam uma simbiose encantadora, ao som da trilha sonora enigmática, refratária e abissal de Thiago Ramil. Elas se unem e se perdem nesse espaço que levantam e desmoronam e que se multiplica e fragmenta em espelhos distribuídos no alto do palco.
Macho homem frágil, por sua vez, já traz no seu título a tensão que coloca o homem entre uma construção de masculinidade idealizada e viril e junto dele o seu contorno mais vulnerável. esse exercício É de grande relevância e oportunidade em tempos atuais. Seja por ser produzido em terras do ideal gaúcho que reforça um perfil vinculado a lutas, batalhas e enfrentamentos que tem a força e um bocado de brutalidade como símbolo. Ou por surgir num país ainda homofóbico e com altos índices de feminicídios.
A performance de Eduardo Severino é de um requintada construção. O discurso dessa (des)construção vem pela maturidade de um bailarino que sabe transitar pelo movimento de um corpo que se move de maneira inteligente, sensível, crítica e irreverente. Edu toma conta do espaço e o revira. Sabe ser firme e forte em cada gesto e o conduzir para sutis, delicadas e suaves configurações. Com sua dança, Eva e Edu criam um plural mosaico de identidades possíveis para o que possa ser homem. A cada instante dançado vamos percebendo os muitos possíveis homens que cada um carrega e mobiliza.
Um exercício de uma clareza ímpar e muito bem elaborada que se trama na economia de elementos usados na medida como a cenografia, iluminação, figurinos e a trilha de Felipe Azevedo que entende a proposta e delineia esse universo sonoramente, sem se impor, como mais uma faceta desse universo. A performance se encerra e ficamos com a preciosa imagem daquele homem que dança de chifres. Meio viking, meio touro, meio destaque alegórico de alguma carnavalização desse corpo que pode ser o que quiser, sem redução a padrões e rótulos empobrecedores.
Duas obras e um discurso que reverbera toda ambiguidade do que somos e podemos ser. Um exercício tão limpo e íntegro! Que 2022 siga sob o signo de criações instigantes, políticas e poéticas como essas. Vale clicar e conferir!
Ficha Técnica
AUTOIMAGEM
Direção: Eva Schul
Bailarinas criadoras: Geórgia Macedo e Viviane Lencina
Trilha sonora: Thiago Ramil
Cenógrafa: Natalia Schul
Cenotécnico: Rodrigo Shalako
Desenho de Luz e operação: Guto Grecca
Operação de Som: Driko Oliveira
Captação de Imagem: Isabel Ramil e Leo Cabeoli
Edição de Imagem: Isabel Ramil
Arte Gráfica: André Varela
Fotos: João Mattos
Assessoria de Imprensa e Mídias Sociais: Creuza Barreto
Produção: Eduardo Severino e Viviane Lencina
MACHO HOMEM FRÁGIL
Direção: Eva Schul
Bailarino criador: Eduardo Severino
Trilha sonora: Felipe Azevedo
Cenografia: Eva Schul e Mano Ribeiro
Cenotécnico: Mano Ribeiro
Desenho de Luz e operação: Guto Grecca
Operação de Som: Driko Oliveira
Captação de Imagem: Isabel Ramil e Leo Cabeoli
Edição de Imagem: Leo Cabeoli
Arte Gráfica: André Varela
Fotos: João Mattos
Assessoria de Imprensa e Mídias Sociais: Creuza Barreto
Produção: Eduardo Severino e Viviane Lencina
Airton que maravilha de texto. Muito obrigado.
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