
A frase título do escritor José Saramago foi uma das provocações de um grupo de artistas de Porto Alegre que me trouxe até aqui e me levou até uma inesperada viagem num sábado vespertino de agosto. Num agosto de 2019 comecei o blog centatxt com a publicação de um comentário sobre Tiger balm do Coletivo Grupelho https://txtcena.art.blog/2019/08/03/example-post/ e olha que três anos depois uma nova montagem me convoca a uma nova escrita. Dessa vez o bálsamo pós pandemia é Ilha, apresentado no pátio do Arquivo Histórico Moysés Vellinho numa tarde ensolarada de sábado com uma boa dezena de espectadores/náufragos povoando esse território artístico cercado de um mar de arte e afetos sensíveis.
O acerto é já o começo em que a bailarina-polvo vai formando um cordão humano dançando. Um monte de gente de mãos dadas (com luvas distribuídas) bailando, traçando percursos lineares, espiralados, circulares, ritmados, subindo escadarias e inclinações do terreno.
E entre os casarões antigos do século XIX, os intérpretes vão se empurrando, espremidos, achando espaço entre eles para avançarem enquanto vão sendo emoldurados por aves no céu e árvores de copas altas e cupins alados bem pouco intimidados. O espaço é imenso e percebemos o quanto nos pode oprimir, condicionados a passar a frente um dos outros, numa ânsia de chegar primeiro a não se sabe onde.

Quando separam-se, ouvimos de cada uma das fontes sonoras portáteis acopladas a seus corpos, histórias narradas sobre cotidianas situações de pessoas comuns vagando na vida das grandes cidades. Pelo pátio Bruno da Rosa Cunha, Débora Poitevin, Janaína Ferrari, Bruna Chiesa e Roberta Fofonka. Pequenos fragmentos de gente desorientada em algum lugar por vezes tão conhecido.
E eis que um sinalizador é disparado e uma cortina de fumaça rosácea se espalha nos céu. Quase ao mesmo tempo que um enorme lençol cor de rosa dança pelo ar e sobre todes até repousar no gramado. A convidativa voz-canção de Patrícia Nardelli nos faz aninhar sobre esse leito e ali, muitos estranhos, irmanarmos até mesmo sonolentos. E não é que parecia um ninho mesmo? E a gente descansando no leito do tempo.
No material de divulgação nas redes sociais a proposta inspiradora: “Ilha, é um espetáculo que se move, que brinca de se perder e se encontrar ocupando os espaços urbanos e criando um espaço-tempo imaginário, coletivo e contemplativo no momento do encontro com o público.” Como não sair encharcado dessa experiência ? Como não aplaudir esse punhado de terra-arte que nos recolheu até nossas embarcações nos levarem para longe de novo? O Coletivo Grupelho, nasceu do encontro de ex integrantes do Grupo Experimental de Dança GED e firma-se na cena artística, assim sutil, irreversível e irremediavelmente. Dessa vez impedindo de nos afogarmos nas águas do esquecimento de tudo que ainda nos une e fortalece.
https://www.instagram.com/p/Cgz7Q_RjtPP/ Um pouquinho pra conferir!!!! E aguardar a próxima temporada, afinal estamos num Porto, sempre prontos a partir. Boa viagem!
Elenco e direção
Bruna Chiesa
Bruno da Rosa Cunha
Débora Poitevin Cardoso
Janaína Ferrari
Roberta Fofonka
Trilha sonora
Música “Entidade Absoluta”, por
Patrícia Nardelli e Wagner Menezes
Figurino
Graça Ferrari
Janaína Ferrari
Design de acessório
Vicky Fernandez
Operação de drone
Yuri Boelter
Produção
Coletivo Grupelho