Uma caixa de papelão e um penacho. Parece pouco, mas foi o suficiente para despertar a atenção e curiosidade do público infanto juvenil que estava na plateia do Teatro de Arena de Porto Alegre para assistir ao espetáculo Iracema, solo da bailarina cearense Rosa Primo, na programação do Palco Giratório. E cadê a Iracema? A caixa desliza pelo palco, a caixa sacode e balança. Eis que ela vai surgindo literalmente pé por pé. Ou seria duas pernas de uma ema, que a final Iracema carrega no nome?
E é assim que a montagem vai instigando nossa curiosidade e nosso senso de interpretação e imaginação das coisas no mundo. E aos poucos vamos vendo que a personagem não é uma e que estamos diante de uma pluralidade de iracemas. Tem a Iracema bicho da floresta. E aí Iracema índia guerreira. Tem a Iracema jovem assustada com tudo que espia ao redor. Tem Iracema que dança a dança da tribo, a danças de muitos brasis, inclusive um samba meio funk. Iracema que dança balé. Iracema que dança dancinhas do Tik Tok.
E seguimos assim com um corpo que se coloca por vezes forte e aguerrido, por vezes forte frágil e acuado. Afinal a Iracema do romance de 1865, de José de Alencar, ganha corpo em cena. E, entre tantos jogos, como o de morta/viva, vai se delineado o corpo de bailarina, o corpo de índia acocorada, o corpo de índias dizimadas pela colonização, o corpo como os de tantas mulheres brasileiras que entram nas estatísticas de violência e feminicídio em nosso país, o corpo de nordestina, o corpo cheio de poesia e ludicidade. Um corpo que nas suas muitas identidades resiste e permite outras configurações no se vestir e revestir de signos aparentemente fora da ordem esperada. Corpo político nessa brincadeira dos sentidos possíveis para essa Iracema. O mesmo jogo que as crianças fazem com tanta desenvoltura.
Enfim, Iracema é um estouro, novamente bem literalmente em cena. Iracema explode em cores, formas e linhas numa cartografia que convida os espectadores e espectadores de todas as idades a redesenharem os seus mapas para olhar sentir e perceber a nossa própria história.
Ficha Técnica:
Conceito e performance: Rosa Primo
Direção e dramaturgia: Clarice Lima
Assistente de pesquisa e movimentos: Carolina Wiehoff
Pesquisa de imagem e ilustração: Raisa Christina
Criação, cenografia e figurino: Carolina Wiehoff, Clarice Lima, Raisa Christina e Rosa Primo
Assessoria em figurino: Marina Carleial
Trilha sonora: Thiago Almeida
Iluminação: Walter Façanha
Operação luz: Nelson Albuquerque
Fotos: Dan Seixas, Guilherme Silva e Luiz Alves