No ano 2020, que tanto nos desafiou, também tivemos surpresas e descobertas para colecionar. Pensando aqui na primeira postagem de 2021 no meio de um bocado de rascunhos alinhavados, escolhi falar de ser presenteado com dança. Quantas vezes presenteamos alguém com dança ou fomos presenteados com uma dança? Talvez alguns tenham experiências mais recorrentes desse ato, mas para mim, e no circuito que atuo, que é de muitas pessoas da dança, poucas ou raras vezes vi isso acontecer. E fiquei me questionando o motivo de não ser usual ver essa possibilidade acontecer. Isso foi despertado pela fato de uma delicada surpresa no ano passado, longe de quase todo mundo devido à pandemia, quando recebi uma dança em vídeo do amigo performancer e bailarino Alessandro Rivellino. Ele acionou na memória uma dança com a qual fui presenteado em uma aniversário pela amiga bailarina Lu Paludo há muitos anos e que pela primeira vez me fez refletir sobre danças como forma de um inestimável regalo.
Fiquei a pensar quantas vezes num passado em que tínhamos disponível fitas cassetes (virgens), eu gravei várias delas com seleções das músicas preferidas que queriam que fossem escutadas ou que sabia que alguém tanto gostava. Um presente personalizado, com músicas especiais. Eu confeccionava uma capa bacana e assim surpreendia muitas amigas e amigos. E eu mesmo recebi várias dessas fitas, algumas que guardo com carinho e cuidado até hoje. A música chegava como presente. A dança, nesse tempo, nunca vi chegar.
Já vi familiares enviarem canções. Já vi amigos elaborarem cartões com colagens e outras técnicas. Já recebi poemas, textos. E daí fiquei pensando por que presentear com uma dança é tão improvável? E olha que nenhum desses “presenteadores” tinha a preocupação de produzir um artefato profissional, mas exatamente tinha o valor artesanal, feito com o que se tem à mão, de forma amadora. O fato é que a dança também nunca chegava e nem eu nunca me animei a isso. Será porque não sabia dançar tão bem? Afinal, por que, tantas vezes a dança precisa se preocupar em ser perfeitamente realizada e acabada? Não temos material dançante artesanal para comover e encantar alguém a quem possamos presentear? Assim como aquele singelo cartão ou poema, que tal uma singela dança? Esse é o primeiro ponto que fiquei pensando.
Mas ok, não precisamos estar dispostos a confeccionar esse presente e essa dança. Então nesse caso escolhemos ou encomendamos algum outro tipo de presente. De novo fiquei pensando por que não temos o hábito de incluir nas alternativas uma dança a ser escolhida e encomendada. E foi instantâneo pensar na dança a domicílio da Claudia Muller projeto no qual ela fazia entregas de dança presenciais e do vídeo documentário Fora de campo que ela concebeu junto com Valeria Valenzuela. O vídeo revela o quanto as pessoas que recebiam essas danças eram tocadas. Lembro de uma senhora que dizia nunca terem dançado para ela e que aquilo a fez se sentir gente de novo. Então fiquei pensando que tem também essa incrível possibilidade, como uma serenata ou algo do gênero. Podemos pedir uma entrega de uma dança pronta, sem precisar fazê-la, não?
Os tempos atuais revelaram ainda que essa alternativa de presentear com dança pode não ser apenas presencial e isso abre um universo e tanto para essa questão. O presente dançado pode também chegar como o que recebi, num link do youtube ou do instagram. E olha que bacana se pensarmos que podemos escolher aquela música especial, ou aquela coreografia que carrega uma lembrança pessoal, ou ainda propor que seja criada uma dança nunca vista e que a pessoa presenteada gostaria de receber como única, diferente. Pode ser aquele bolero rasgado, aquela valsa nostálgica, aquele samba embalado ou um funk lacrador ou ainda uma dança sem nome que celebra o tempo passando tranquilamente, revolvendo lembranças e sentimentos. As possibilidades são infinitas e fabulosas.
A dança da Lu Paludo foi a primeira dessas percepções. E apesar de efêmera, guardo de maneira tão viva e intensa. No meio daquele salão de festas do prédio da minha mãe, em meio a tantos amigos, tudo silenciou e o tempo ficou suspenso. A dança da Lu preencheu todo o espaço entre balões e bolo e envolveu todos os convidados/as, alguns sem saber bem o que acontecia, mas adorando aquilo tudo. Cada gesto, cada olhar, cada passo e respirar traduzindo essa singular entrega que se perdura entre o tempo e os esquecimentos nas minhas melhores lembranças.
A dança que recebi do Alessandro tem dessas novas condições que a conexão on line trouxe. Quando espero entre tantas mensagens nas rede sociais do dia do aniversário mais uma felicitação, ela vem com um link. E eu que até então estava resistindo me permito algumas lágrimas de felicidade. E vi e revi inúmeras vezes e me exibi como quando a gente espalhava os presentes por sobre a cama. E então ficou como aquelas preciosidades que a gente guarda naquela caixinha com fotos, cartões, cartas, recortes. Está lá pra gente revisitar. E que delícia essa modalidade também para memória que prega peças na gente.
Estou falando de aniversários, mas poderia estar falando de natais, dia dos namorados e outras tantas datas nas quais um presente dançado poderia chegar. Mas como adoro presentear sem ter data, essas danças poderiam chegar assim quando a gente acreditasse ser o momento, sem uma data pra motivar e sim o desejo de fazer a dança chegar, assim, inesperadamente. Mesmo com toda dificuldade para embrulhar.
Até hoje não tinha parado pra levar a sério essas possibilidades e seus desdobramentos. Artesanais ou comerciais. Exuberantes ou serenas. Caras ou baratinhas. Musicais ou silenciosas. Então, que tal começar o ano pensando nessa dança como um regalo? Vai um dança de presente aí?