A arte e a cura de todos nós

Assisti ao espetáculo Cura, da Cia Deborah Colker na última quinta-feira, 17, em sessão especial para projetos artísticos e sociais, permitindo jovens e artistas conferirem gratuitamente o espetáculo. Essa apresentação mobilizou mais do que uma apreciação estética. Foi minha primeira ida ao teatro desde o começo da pandemia. E, portanto, impossível avaliar o impacto da obra fora deste contexto. Então, em primeiro lugar, cabe destacar o que significa a dança nacional retornar aos palcos depois desse período e com uma produção de tanta qualidade e em um espaço tão especial como o Teatro do Sesi, que comemora seus 25 anos e também resiste, ainda bem. Essa ousadia e coragem já imprime à temporada de Deborah Colker um marco de determinação e celebração. Sim, a arte da dança sobreviveu e mostra sua força e pungência, sinalizando ao público que está retornando e disposta a nos encantar e (co)mover.

Soma-se a esse contexto uma obra de rara beleza visual. A cenografia de abertura apresenta enormes colunas de palha suspensas do alto que literalmente dançam e aos poucos revelam corpos avermelhados (de calor, paixão ou feridas ?!). As colunas remetem à figura do orixá Obalualê e esse material que cobriu as chagas de seu corpo. A primeira cena arrebata e convida a seguir a jornada pontuada por uma iluminação caprichada e certeira em esconder, revelar e imprimir nuances.
E há ainda a cena na qual dezenas de prismas vão sendo empilhados pelos bailarinos, formando um paredão que se impõe ao fundo para depois se desfazer, criando um espaço labiríntico para a vertiginosa coreografia final. E esse fabuloso caleidoscópio visual de movimentos, cores, formas e imagens é o aspecto mais valioso da obra que cria conexões estéticas que nem precisam explicação, pois afetam sem exigir maior racionalização.
É meio que inevitável que temática da cura traga à tona esse período de pandemia e essa busca incansável de vencer a doença que poderia dispensar os textos projetados que por momentos até competem com a dança que acontece em cena. Os corpos e os sentidos já estão revestindo os significados de indivíduos lutando para se livrar das suas chagas, dores, dissabores.
A trilha sonora criada por Carlinhos Brown é convidativa e tem a marca do percussionista que sabe como embalar os corpos dançantes. As músicas mesclam ritmos e melodias e até propiciam cânticos que estabelecem uma força coletiva aos intérpretes cena, mas também a plateia que se incorpora a esse ritual comunitário de estarmos ali para mais que aplaudir a performance impecável, para juntos vivenciar um experiência estética que redimensiona nosso viver. E nesse momento isso parece ser o mais importante. Que a dança no nosso país possa retornar com toda sua vitalidade e diversidade, e impedir que se propague qualquer ação doentia que nos subtraia essas oportunidades.
Quem ainda quiser e puder prestigiar esse momento, tem apresentação nesse domingo dia 20/3, às 19h.

Um comentário sobre “A arte e a cura de todos nós

  1. Contada com teus olhos, eu senti como estivesse lá . A descrição fez meu imaginário sentir a “Cura” e a vontade de assistir esta maravilhosa obra da Deborah é o Carlinhos.

    Curtir

Deixe um comentário