Tudo aquilo que nos dá carga para viver

Que o viver é dureza e fascinante ao mesmo tempo é um dilema não exclusivo do mundo dos adultos apenas. Pequenos, na aventura do crescimento experimentam as dores e os sabores que atravessam a infância e que seguem na adolescência. Crescer dói, dizem alguns, e se, remédio não há, tem a arte ali para acenar a possibilidade de deixar a imaginação dar recursos e instrumentos para se enfrentar essa jornada. É disso que se faz a matéria-prima de FRANKINH@ – Uma história em pedacinhos que pude conferir no Porto Alegre em Cena em março e que volta em única apresentação 06 de maio (sábado), às 15h, no Theatro São Pedro, dentro da programação do 2º Festival de Teatro para Crianças.

                Enquanto estava ali na plateia, por um tempo pensei,  “gente esse espetáculo é pra mim e não para criançada”. E não demorou para ver uma risada solta e um olhar encantado/intrigado com tudo que acontecia no palco. Enquanto eu saboreava uma experiência estética que me levava aos desafios do meu próprio crescimento, vi o público infanto-juvenil se relacionando de outro forma, pois o encanto era do olhar de quem partilha aquela condição e não de quem a observa de longe e reflete sobre essa condição. E não à toa tem uma cena cheia de espelhamentos.

                FRANKINH@ – Uma história em pedacinhos reúne uma coleção de fragmentos de cenas de uma encantadora poesia visual e de uma narrativa de fábula contemporânea e atual. Estão lá a curiosidade e a inventividade infantil, o ímpeto rebelde da adolescência, os desafios e tensões de um processo que não é feito apenas de cores e alegrias. Crescer dói, dizem alguns e a encenação de Camila Bauer é delicada e firme ao trazer essa condição.

                O coletivo Projeto GOMPA, vencedor do Prêmio SESC de Artes Cênicas com essa montagem, busca inspiração nas personagens e situações da obra Frankenstein, de Mary Shelley e constrói com cuidado e habilidade cênica essa versão. Thiago Ruffoni  (Victor) e Fabiane Severo (Frankinh@) criam um jogo corporal requintado e envolvente que conta com a direção de movimento primorosa de Carlota Albuquerque. Afinal como diz a canção na voz de Simone Rasslan: “Tudo é corpo/Tudo fala/Tudo junto assim/Um encaixa/ outro dobra/ gente é assim”.  E de novo estamos lá, projetados naqueles corpos que traduzem nossas dificuldades de encaixe, de ajustes para se mover com um corpo/mundo que nem sempre responde como a gente gostaria.

                E essa é outra chave da obra, o discurso não é suficiente, pois a gente vive na materialidade de um corpo, o pensamento está também nesse corpo. E bah!, não é pouco mexer nisso e a encenação consegue. Deita e rola para nosso deleite ao fazer a ludicidade e a mais profunda filosofia habitarem as danças e a gestualidade dos personagens construídos engenhosamente. Franquinh@ materializa e brinca com aquilo que nos constitui, seja em que fase da vida for.

Liane Venturella, como narradora, conduz com maestria a trama e anuncia sobre o isolamento do menino Victor: “Como as pessoas não sabem o que fazer com o que é diferente ele ficava sozinho”. E também nos conta que ele “Gostava de tudo que não compreendia”. A história que poderia ser de um revestimento filosófico e existencial que distancia, vai nos abraçando, porque traz não só os pedaços da criatura que ganha vida, mas vai trazendo também os pedaços dos quais somos feitos. Afinal se “A gente não pode controlar a vida”, a gente pode não perder de vista tudo aquilo que, como a arte, pode continuar nos dando tanta carga para viver.

FICHA TÉCNICA

Elenco: Fabiane Severo, Liane Venturella e Thiago Ruffoni

Direção: Camila Bauer

Direção de movimento: Carlota Albuquerque

Dramaturgia: Camila Bauer e Marco Catalão

Colaboração dramatúrgica: Liane Venturella

Sonografia: Álvaro RosaCosta

Pianos e voz: Simone Rasslan

Cenografia: Elcio Rossini

Adereços: Elcio Rossini e Liane Venturella

Iluminação: Ricardo Vivian

Figurino: Daniel de Lion

Maquiagem: Marília Ethur

Colaboração artística: Douglas Jung, Jéferson Rachewsky, Luana Zinn, Pedro Bertoldi e

Renan Villas

Psicóloga convidada: Camila Noguez

Arte gráfica: Jéssica Barbosa

Direção de produção: Fabiane Severo

Fotos: Vilmar Carvalho

Realização e Produção: Projeto Gompa

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