
Tem certas coisas que precisam ser ditas e repetidas. Gustavo Silva é o mais talentoso e inventivo coreógrafo da sua geração. A gente já vai para o teatro cheio de expectativas e ele consegue superar todas. Chromos, apresentado no Teatro Renascença neste final de semana reafirma que ele pertence a uma linhagem de criadores brasileiros como Bruno Beltrão (Grupo de Rua de Niterói) e Renato Cruz, (Cia Híbrida, do Rio de Janeiro) que não ficaram presos ao universo sedutor dos festivais competitivos e nem do circuito fechado dos eventos exclusivos das danças urbanas e conquistaram respeito e notoriedade no Brasil e do mundo, como artistas da dança e não de “uma dança”.
Arte é invenção, potencial criador, técnica a serviço do pensamento que não tem limites e que por isso não se contenta com limites de rótulos de estilos. Enquanto coreógrafo, Gustavo não domina apenas a técnica que está ao seu serviço, mas também o conceito que estrutura seus espetáculos. E o mais importante, o conceito não fica no plano das ideias, cheio de teorias e divagações, acontece porque se materializa e é resolvido na cena, nos corpos, na trilha, na luz, na cenografia, na maquiagem.
Como criador Gustavo tem uma inteligência cênica, sinestésica e estética que não foi forjada em ateliers, nem na universidade, mas no fazer, na lida, na pesquisa insistente com os meios que estavam ao seu alcance e na curiosidade com o mundo, com a vida, com as artes, que o permitiu ir além do horizonte de segurança e conforto. Isso já estava presente lá em 2006 quando assisti a La Chronique, no Teatro de Câmara, e que se confirmou em obras primorosas como o recente Pedra Verde-Muiraquitã (2018), criado para Cia Municipal de Dança de Porto Alegre, e Retrógrado em 6D e Iluminus (2016), ambos vencedores de inúmeros Prêmios Açorianos de Dança, incluindo de melhor espetáculo.
Chromos é um exercício de poesia visual, pulsante e fascinante. E Gustavo concebe e opera uma luz irretocável, cria uma tropa de criaturas com cabeças multiformes parece que saídas de um laboratório de mutações transgênicas, estabelece uma dissonante atmosfera sonora e monta uma estrutura cenográfica metálica que funciona como cela, instrumento de tortura e opressão, ratoeira humana, nave intergaláctica, carro alegórico apoteótico.
O elenco revela impressionante domínio técnico ao mesmo tempo que se entrega a essa estranha proposta que transita entre o grotesco e o sublime. Somos transportados a outro universo desconhecido, mas comungamos das mesmas angústias que rondam essas criaturas que lá habitam: como a violência, a morte, a opressão e ao mesmo tempo uma vitalidade capaz de encontrar brechas e estratégias de escape.
Os bailarinos Anderson Zanini, Jonathan Cordeiro, Thyago Perla e Willian Dipe Anga são vigorosos e expressivos. Mas há outro mérito, o do protagonismo dado ao elenco feminino, muitas vezes em segundo plano na cena das danças urbanas, que permite as performances excepcionais de Gabriella Castro, Josyane Ramos, Kynaê Primon. Gabriella talvez no seu momento mais revelador potencial já reconhecido como tap dancer, mas aqui dona do trabalho refinado de corpo que transborda em cena.
Nossa imaginação embarca nessa viagem e agradece. Se Porto Alegre não fosse Porto Alegre, a New School Dreams já seria um acontecimento como o o Blue Man Groupe de, New York. Que Chromos volte logo em cartaz e que o público e demais artistas confiram o trabalho desse engenhoso criador que merece todos os aplausos, pois se coloca como um dos grandes artistas de dança que temos a sorte de seguir produzindo na nossa cidade.
Direção geral:
Gustavo Silva
Coreografia:
Gustavo Silva
Elenco: Anderson
Zanini, Gabriella Castro, Jonathan Cordeiro, Josyane Ramos, Kynaê Primon,
Thyago Perla e Willian Dipe Anga
Cenografia: Gustavo
Silva
Iluminação: Gustavo
Silva
Sonorização:
Gustavo Silva
Figurino: Jéssica
Rodrigues
Maquiagem: Jéssica
Rodrigues
Fotografia e
filmagem: Alicia Marmitt e Pedro Cunha
Produção: Gustavo
Silva
Realização: New
School Dreams
Lindeza ler tudo isso. Rola alto orgulho de classe
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