
Momentos de crise são sempre momentos não só de pesares, mas, via de regra, momentos de grande mobilização que pode representar ou trazer mudanças importantes e significativas. Em tempos de pandemia que tanto afetou em cheio atuação profissional no segmento da dança, estamos podendo perceber isso como aconteceu em outros momentos históricos de crise. E aqui um relato pessoal de quem vivenciou, acompanhou e segue acreditando nesse movimento. Um relato que conta com a memória que pode falhar (e vai), mas que se esforça e pede colaboração de para se manter viva e não se apagar.
E dessa memória, no movimento da dança, tenho um primeiro registro em 1995, na 1ª Conferência Municipal de Cultura de Porto Alegre, quando então bailarino do saudoso Ballet Phoenix acabei sendo o único delegado da área da dança a participar das propostas das políticas públicas municipais para a área.
Desde então tentei estar atento a essa movimentação que ganhou mais forma em 1997 durante o CoNESUL DANÇA, idealizado pela mestra Eva Schul, num movimento na busca da reorganização dos profissionais da dança no RS que não evoluiu efetivamente. No final daquele ano, a decisão de não entregar o Prêmio Açorianos de melhor espetáculo pela SMC fez os profissionais se reunirem pra encaminhar uma carta à SMC se posicionando e buscando estabelecer um diálogo efetivo.
Em 1998, a Funarte e Ministério do Trabalho destinaram 175 mil reais para grupos e cias do Brasil e nenhum grupo gaúcho foi contemplado, o que gerou uma mobilização mais efetiva da categoria. E em março reuniram-se na Casa de Cultura Mario Quintana Alexandra Zucolloto, Andrea Druck, Anette Lubisco, Carlota Albuquerque, Cibele Sastre, Edison Garcia, Eduardo Severino, Gelson Oliveira, Heloísa Peres, Inara Reis, Isabel Beltrão, Ivan Motta, June Machado, Ricardo Leon, Suzana Dávila, Tatiana Rosa e Thais Petzhold. Nascia a Comissão Gaúcha de Dança.
Em maio do mesmo ano ficou definida a constituição da Comissão que tive a honra de integrar com Eneida Dreher, Edison Garcia, Jussara Miranda, Lizete Vargas, Márcia Chemale, Monica Dantas, Rony Leal e Sonia Duro. Num ano que os profissionais tinham recém ido para rua pela primeira vez no Dia Internacional da Dança afirmar sua atuação e a valorização do ofício da dança, numa provocação da Andréa Druck. Na esquina Ipiranga e Goethe, grupos e cias de Porto Alegre tomaram as avenidas cada vez que o sinal fechava, colocando a dança entre carros e buzinas. Foi uma emblemática e motivadora ação.
E assim seguiram as ações da Comissão Gaúcha de Dança. Contudo, como sempre esses movimentos se esvaziam, pois é difícil manter tantas atividades que a arte nos exige e ainda conseguir atuar nessa articulação. Seguimos Rony Leal, Mônica Dantas, Sonia Duro e Inara Reis num primeiro momento. E depois Eneida e Seu Rony, em muitas noites em invernos gélidos regados a vinho e estatutos e atas antigas da Asgadan que Eneida tinha conseguido resgatar. Foi nessa mobilização que se recusou a parar que se conseguiu a proeza de recolher mais de 800 assinaturas de artistas da dança em todo estado, reunindo as principais reivindicações do segmento. E em tempos sem Internet, sem graduações de dança, sem centro de dança autônomo na capital, sem Sated, com Asgadan fragilizada. De punho. O que levou Eneida à Coordenação de Dança do Estado, no governo Olívio Dutra, por pouco tempo infelizmente. Histórias de conquistas e derrotas, mas sempre de resistência.
Em 1999 um novo desafio que somou força entre o segmento da dança: o combate às ações do Confef contra as escolas de dança. Mesmo ano em que mais de 200 bailarinos subiram ao palco do antigo Araújo Vianna, para o Dia Internacional da Dança, defender ações para manutenção de grupos e cias de dança, com um cortejo dionisíaco celebrando com uvas e vinho junto com o público, Thais Petzhold num tributo a Isadora Duncan, Mônica Dantas homenageando Martha Graham, Andrea Druck e o Buraco da Dança relembrando Noverre, e a participação do Balleto, Muóvere, Tablado Andaluz, Ballet Concerto, Ballet Lenita Ruschel, entre muitos outros, culminando num manifesto dançante do Terpsí, criado pela Carlota Albuquerque, clamando para que tudo não se tornar-se cinzas e pó. Tudo isso num contexto que tinha o SatedRS moribundo devido a uma eleição desastrosa que foi parar na justiça e com isso foi formada pela primeira vez em 15 de fevereiro de 2000, uma Junta Governativa com o intuito de manter funcionando o Sindicato em virtude do desgoverno e de ação civil movida para invalidar as eleições convocadas em junho de 1997. Desta primeira junta fiz parte com os colegas militantes Dilmar Messias, Camilo de Lélis, Julio Saraiva, Paulo Flores e Giba Assis Brasil. Salvamos o que restou do Sindicato, um arquivo de registro debaixo das escadas da Cia e Arte e demos início à reconstrução do SATED, praticamente do nada.
Enfim, lutas e insistências como a Comissão Permanente de Dança, criada quando da extinção da coordenação de dança da SEDAC RS; da implantação do Colégio Setorial da Dança 2011 peal SEDACRS; da realização do 1º Encontro Estadual de Dança do Rio Grande do Sul, em 2013. e muitos e muitos fatos em meio a conferências municipais, estaduais, nacionais, fóruns, setoriais, planos. Uma história que conta ainda com a recente e decisiva revalorização da Asgadan (Associação Gaúcha de Dança) na gestão de Clovis Rocha e a a valiosa e qualificada atuação de Marlise Machado na representação da dança no Conselho Estadual de Cultura.
Enfim chegamos a trancos e barrancos em 2020.
E olha, que bacana. O Colegiado Setorial da Dança ganhou força, a Asgadan segue se renovando, coletivos se nascem e se organizam, novas formas de associação surgem como o Articula Dança. E se concretiza uma das mais importantes e fundamentais iniciativas o Mapeamento da Dança RS. Com a participação de universidades, entidades, associações, coletivos, instituições publicas. Articula Dança RS/ ASGADAN/ Associação de Circo RS/ ATAC/ Centro Municipal de Dança-SMCPMPA/ Colegiado Setorial de Circo RS/ Colegiado Setorial de Dança RS/ Conselho Estadual de Cultura RS/ FAMURS/ Fórum de Ação Permanente pela Cultura/ Fórum Permanente de Cultura de Pelotas/ SATED RS/ SEDAC RS/ SEPLAG RS/UCS/ UERGS/ UFPEL/ UFRGS/UFSM. Finalmente poderemos ter dados consistentes e concretos para ações efetivas públicas e de empreendimento, para revelar o qual abrangente, forte e produtivo é o segmento da dança no Rio Grande do Sul.(Ver https://www.facebook.com/mapeamentodancars/). Que possamos assim reconhecer mais facilmente nossos colegas, que possamos entender a abrangência da dança e sua diversidade, que possamos nos conectar mais facilmente e que as representações possam ser amplas e plurais. É um passo e tanto que torço pelo êxito.
Tudo isso é fruto de uma história, de altos e baixos, vitórias e derrotas, perdas e ganhos.Uma história em boa parte desconhecida, feita de muitos momentos ainda a serem reconhecidos como a atuação de Tony Petzhold e Lenita Ruschel à frente da Asgadan lá na década de 1970. De gestão primorosa da Adriane Mottola à frente do Sated no início dos anos 1990. E muitas outras ações e mobilizações ainda a serem resgatadas nessa história (quem sabe o interesse acadêmico nesse tema?!?!!?). Que esse momento possa ser de impulsionamento dessa mobilização e quem sabe se estímulo a essa história que pode ser fundamental para permanência, continuidade e crescimento de todo esse momento. Aqui uma modesta contribuição para motivar quem sabe esse movimento no embalo dessas boa maré que se desenha.
Texto Espetacular: histórico e bravo.
ObrigadA Airton, a Dança bate no meu peito também.
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