Tributo ao bboy Ted Borges (1971-2021)

Faltava pouco. No próximo dia 11 de agosto, a mais antiga crew de dança de rua do Rio Grande do Sul, ainda na ativa, a Hackers Crew completaria 37 anos de existência tendo Ted Bboy como o grande coreógrafo e bailarino que mantinha viva esse verdadeiro patrimônio da cultura de Porto Alegre. Ontem, dia 12 de junho, Ted faleceu aos 50 anos e deixou essa cena vazia. Aqui meu modesto tributo a esse criador inquieto, criativo, incansável que nunca desistiu de afirmar a dança urbana na capital gaúcha e levar essa arte a outros cantos do Brasil e do mundo.

Conheci o Ted no começo dos anos 2000 e desde a primeira conversa muita identificação e admiração. Ele tinha integrado a segunda geração da Hackers Crew, o grupo mais antigo de dança de rua (como chama-se na época), que foi fundada em 11 de agosto de 1984, e contava na sua formação com nomes como Volmir, André, Tifoi, Vati, Jamaica, Cleber, Álvaro, Marcelo, Nezzo (hoje DJ), Uchôa, Mocinho, a B-Girl Luciane e Kiko. Ted pegou a fase dos encontros na Esquina Democrática, no Centro Histórico, ali no encontro da Rua da Praia com a Borges de Medeiros, e dos bailes blacks em Porto Alegre. E, quando a maioria dos integrantes foi deixando a Crew ele decidiu manter essa história viva e com Djan Costa passou a construir uma singular trajetória.

Ele foi apresentador do quadro Universo B-boy, apresentado na TVE RS, dentro do programa Hip Hop Sul trazendo fundamentos da dança dos bboys e a história de seus criadores. Queria difundir a cultura dessa dança e se lançou nesse desafio com muito êxito. Num dos programas que assistimos juntos ele salientou: “a dança de rua já estava presente durante a Depressão da década de 1930 nos EUA, quando os bailarinos foram para as ruas se apresentar pra ganhar uns trocados’. E assim ele ia de forma perspicaz trazendo os fundadores de estilos da break dance, comentando filmes e coreografias, e claro, a história dessa dança em Porto Alegre.

Em 2004, disse que queria fazer um espetáculo para levar ao palco dos teatros e foi uma longa conversa sobre as ideias que levaram a estreia de O Ritmo Pulsante da Ruas que teve uma pre-estréia modesta no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana. Eram poucos espectadores, mas pude testemunhar uma obra singular e diferenciada.

No ano seguinte assumi a direção do Centro Municipal de Dança e convidei o Ted para nosso primeiro grande evento. ele não pestanejou e aceitou o convite para participar do evento do Dia Internacional da Dança no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS em meio a tradicionais escolas de balé da cidade e grupos e companhias de dança contemporânea. Foi um sucesso.

O ritmo pulsante das ruas tinha amadurecido e trazia as referencias musicais e coreográficas da dança de rua mas também brincava com outras referências musicais. A montagem contava com projeções de vídeos com as quais Ted e Djan interagiam saindo e entrando em uma tela central que explodia em imagens. Popping, locking e bboing de primeira linha. Em especial o locking irresistível ao som de Sossego, do Tim Maia e a execução de popping que Ted fazia ao som de Concerto para uma voz – Saint Preux Quem cantada silabicamente por Danielle Licari. Simplesmente genial. Para a época era um espetáculo arrojado, produzido de maneira independente, mas com a execução primorosa da dupla com momentos de inventividade impressionante. E não deu outra, o espetáculo rompeu a barreira para esse estilo de dança e pela primeira vez um espetáculo do gênero foi indicado ao Prêmio Açorianos de Dança em quarto categorias: Melhor Espetáculo, Melhor Cenografia, Melhor Bailarino e Melhor Trilha Sonora.

https://youtu.be/nBDQQEzap40

A partir daí foram muitas participações em eventos como o Dança de Domingo, temporada no Teatro Renascença e Cia de Arte, participação no Festival de Inverno e ao mesmo tempo que ganhava reconhecimento de novos públicos e artistas, recebia a crítica de estar “virando contemporâneo”, o que provocava sua indignação. Ele dizia: “eu sou um artista, posso criar com a música que eu quiser, não só com som do hip hop e funk, posso me apresentar na rua e no palco que abrir espaço pra mim, posso fazer coreografia curta e um espetáculo inteiro. Isso que quero, liberdade de criar com minha arte, com minha cultura, buscar a minah coerência”. Mas isso não impediu que seguisse firme e o espetáculo fosse levado a novas temporadas no Teatro de Câmara e convidado mais tarde, em 2010, para realizar apresentações em Angers, na França, e no 7º Tangolomango – Festival da Diversidade Cultural, em Fortaleza, em 2007. Foi assim que a dupla também participou, em 2009, no evento Circle Kingz – The Stylewar Bboy Battle, em Lausanne, na Suíça.

E foi assim que Ted seguiu em nova pesquisa inédita: Barbaridade que misturava a musicalidade e as tradições gaúchas com a música Rap, break beats e a dança de rua. O trabalho rendeu a crew reconhecimento internacional, que levou o grupo a apresentações na Colômbia. Nesse trabalho uma preciosidade de um duo de Ted e Djan ao som da gaita ponto de Renato Borghetti em Milonga Missioneira.  O trabalho foi o primeiro do gênero a participar do Festival de Inverno da SMC, a convite do Centro Municipal de Dança. No dia 29 de julho de 2012, às 19h, na Sala Álvaro Moreyra, a dupla apresentou seu novo trabalho , lançou seu dvd e promoveu a mesa redonda “Hackers Crew: a dança de rua de Porto Alegre e sua história”. 

Nos anos seguintes Ted seguiu mantendo o trabalho da Crew e atuando como ministrante de cursos e aulas no Centro Cultural Cia de Arte e no programa de formação do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre onde integrou a equipe de professores, partilhando seu conhecimento com alunos e alunas. Nesse processo ele coreografou uma cena para o espetáculo do Grupo em 2017: Cidade Sorriso  – Uma Didática Poética Anárquica Dançante, apresentado no Teatro Renascença.

Em 2019, com a Cia Flashblack, formada pro jovens negros da periferia da capital Ted foi homenageado ao lado de Iara Deodoro e Rui Moreira pela sua importância na cena da dança de Porto Alegre. Em meio a Pandemia seguiu planejando com Djan o retorno da Hackers quando os palcos se abrissem novamente. A gente ainda ia ter muita coisa boa vindo desse criador…

Fica o convite aqui para quem teve o privilégio de conviver com Ted que partilhe suas vivências com eles, conte de como os espetáculos impactaram, como as aulas encantaram, o que aprendeu com ele e que possamos reunir um amplo material para preservar a memória desse artista tão importante.

6 comentários sobre “Tributo ao bboy Ted Borges (1971-2021)

  1. Grande artista, dançarino nato tive o prazer de conviver por anos dividindo o palco e nossos lugares de ensaios, baita guri mesmo com 50 anos não perdia a alegria mesmo com muita dificuldade na sua sobrevivência fora dos palcos pela covid, era um gurizao gente boa, brabo quando era pra ser sem meias palavras, éramos como irmão no dia a dia roupas coreografias e muitas ideias para esse grupo HACKERS CREW ! era ou é como uma religião para nós…aqui M.ROCHA ,hoje morando em Blumenau mas tendo muito contato com esse amigo que não podemos mais ouvir suas piadas, curtir suas coreografias com Djam…e lamentável abraço amigo vc continua no meu coração, amigo e parceiro Odone Borges, até mais nós te amamos.

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  2. Pingback: Tributo ao B-boy Ted Borges (1971-2021) | Por Airton Tomazzoni | Bocada Forte - Desde 1999

  3. Sou mano vulgo Mano Jclip e criador do grupo pegasus.conheci o Ted ,nas rodas de break da andradas e vendo o show do grupo hackers em Porto Alegre ,sindicato ,mano delcio DJs ,canecão entre outros ,vim ter amizade com ele mais tarde ,fora admiração como artista também como ser humano vou citar dois casos para ilustrar o ser humano que ele era 1 vez me convidou a vir na celebração do grupo hackers mesmo sem ter feito parte,e também em outra ocasião me chamou para o palco no show do grande kurtis Blow ação que mostra o respeito mútuo entre amigos e irmãos !

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  4. Bahh Ted, foi um profe muito especial pra mim no Grupo Experimental de Dança, nossa suas aulas eram muito divertidas, soltava o requebrado com a somzera muito boua que ele trazia, as ideias de exercícios de aula vindas dos sonhos dele, sério vai fazer muita falta!
    Foi uma experiência valiosa ter sido sua aluna! Ver os passos dele nos vídeos foi emocionante de lembrar dele nos ensinando, bah foram momentos maravilhosos que ele proporcionou espalhando sua dança!
    Obrigada Ted! Fique em paz e que esteja tocando um funk bem bom pra ti, onde você estiver!

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  5. Me chamo Méri, estive junto à ele por 7 anos, moramos na casinha humilde da familia, eu, sua mãe Ivonir e seu filho Diego. Trabalhamos juntos, e vivenciamos muitas alegrias. Gravamos um clipe juntos dançando na praça da matriz com o Branca. Gostaria muito de recupera lo. Se alguém souber o contato do nego branca, este é meu telefone. 985285146. Depois de anos afastados, ele m reencontrou no face, pra contar da morte da mãe, e m dizer que aprendeu muito comigo, ambos tivemis gratidão um com o outro. Marcelo Rocha, kiko, a gente dançava em qualquer lugar. Fui morar num sítio e a cartomante da familia acertou, ele iria decolar na carreira e a gente se afastar. E foi assim nosso destino. Brilha no infinito , sempre estrela!

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